A Praça do Diamante



"Mas ela me fez acompanhá-la querendo ou não, porque eu era assim, sofria se alguém me pedia alguma coisa e eu tinha de dizer não."

Poucas vezes li uma definição tão exata, já nas primeiras linhas, acerca da protagonista de um livro. Natália, em A Praça do Diamante, é assim, mas só ao final da obra conseguimos entender a intensidade dessa descrição inicial. Ingênua e passiva, poucas vezes a personagem consegue expressar sua vontade e sua opinião. Fazê-las prevalecer, então, é algo ainda mais difícil para ela.

A primeira pergunta que pode vir à mente é: como uma protagonista assim pode fisgar o leitor? A Praça do Diamante foi um livro que demorou para me prender, mas a forma de escrever da autora Mercè Rodoreda, ao expressar os pensamentos de Natália, me fizeram continuar. Aquela personagem, aparentemente vazia, cujas atitudes eram moldadas pelos outros, tinha algo de especial a dizer. E eu não estava enganada.

Quantas pessoas ainda têm essa dificuldade? Inseguras, deixam que outros decidam acerca de assuntos primordiais de suas próprias vidas. Resignadas, vivem para e em função de marido, esposa, filhos ou patrões, sem sondar dentro de si mesmas o que realmente desejam.

O livro nos lembra que o tempo passa. O tempo é implacável. Muitas vezes, só nos damos conta disso depois que a juventude se vai. E quem vive assim, sem tomar decisões, tem muito mais chances de se deixar levar por caminhos indesejados. A história de Natália ensina que a vida precisa ser encarada com firmeza para tornar-se uma aventura que valha a pena.

Quando Natália se vê forçada a agir sem influências alheias, após diversas dificuldades enfrentadas ao longo da história, notamos um crescimento pessoal encantador. A protagonista passa a fazer reflexões profundas acerca de sua existência. Seus questionamentos são carregados de poesia, beleza e simbolismo, da pureza que encontramos nas crianças:

"O caracol estava no meio do console, e era como se ouvisse aquela agitação do mar dentro dele...buuuum...buuuum...e pensei que talvez, quando ninguém estivesse ouvindo, não houvesse barulho dentro, e aquilo era uma coisa que nunca ninguém poderia descobrir: se dentro do caracol havia onda quando na entrada do buraco não tinha nenhuma orelha."

"(...) e me entretinha olhando as árvores que viviam de pernas para o ar, com todas as folhas que eram os pés. As árvores que viviam com a cabeça dentro da terra comendo terra com a boca e com os dentes que eram as raízes.(...) E o vento e a chuva e os passarinhos faziam cócegas nos pés das árvores, tão verdes quando nasciam. Tão amarelas na hora de morrer."


Além da dificuldade de auto-afirmação, as relações de poder nos relacionamentos, a maternidade,  e a Guerra Civil Espanhola também são temas muito presentes. A maior parte da história é contada pela ótica de Natália e poucos são os diálogos, de forma que os acontecimentos, mesmo cruéis em algumas passagens, nos são apresentados com um filtro de resignação e candura, próprio da personagem.

Não à toa, Mercè Rodoreda é considerada uma das escritoras de língua catalã mais influentes da contemporaneidade, admirada por nada menos que Gabriel García Márquez. Um clássico que subverte a lógica de sucesso de best-sellers atuais, protagonizados por mulheres assertivas. Sua mensagem é poderosa, e é isso que o torna fascinente.

Monna Silva

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