Boca de Cachorro Louco, de Kah Dantas - 𝘙𝘦𝘴𝘦𝘯𝘩𝘢 𝘱𝘰𝘳 𝘔𝘰𝘯𝘯𝘢 𝘙𝘰𝘣𝘦𝘳𝘵𝘢
Oi galerinha Da Hora!
Esses dias estava assistindo a uma entrevista com a autora Martha Medeiros, no canal de Leda Nagle no Youtube. Martha, que é do Rio Grande do Sul, deu sua opinião sobre vários temas e contou experiências pessoais relacionadas ao exercício da escrita. Em determinado ponto, comentou que a força do mercado editorial sul rio-grandense está no fato de que os gaúchos se prestigiam. "O gaúcho lê o gaúcho", disse ela. Isso me deu bastante o que pensar.
Comecei, então, a buscar livros feitos por nordestinos(as) contemporâneo(a) para ler, pra ver o que a turma anda produzindo pelas bandas de cá.
Comecei, então, a buscar livros feitos por nordestinos(as) contemporâneo(a) para ler, pra ver o que a turma anda produzindo pelas bandas de cá.
Foi assim que cheguei a Boca de Cachorro Louco, da escritora cearense, Kahrine Dantas ou @contakah, no Instagram. Minha primeira leitura em que bati um papo com a autora. Gostaria de agradecer pela atenção e disponibilidade, Kah é uma simpatia. 😘
Seu livro foi publicado pela Selo Editorial, @aliaseditora, cuja proposta é incentivar a leitura de livros femininos.
Composto por um conjunto de textos escritos enquanto a autora estava envolvida em um relacionamento abusivo, o romance autobiográfico relata momentos de felicidade e de paixão ardente, mas, com o passar do tempo, também de violência psicológica e fisica.
Boca de Cachorro Louco se divide em duas fases e, entre elas, uma chamada "entredias". Na primeira parte, há a descrição de como tudo começou, a empolgação inicial, o desenrolar do relacionamento, com as primeiras manifestações de ciúme, depois tensão, violência, dúvidas, dor, angústia... O "entredias" é o que eu poderia chamar de fundo do poço. A personagem começa um processo de afastamento daquela relação que a machuca tanto, mas ainda há certa dificuldade em se desvencilhar...Por fim, na parte dois, com o término da relação, acompanhamos a recuperação da personagem, em uma fase de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Difícil, pois as cicatrizes são inúmeras e os pensamentos sobre o passado lhe rondam como olhinhos de coruja em mata escura.
Para algumas pessoas, a linguagem pode incomodar, pois, em diversas passagens, é bastante erótica, sem pudor algum! Só leia se você não tiver problemas com isso. Para mim, essa forma de contar a história foi bastante positiva, determinante para uma maior aproximação daquele contexto vivido, tornando o relato ainda mais chegado à realidade da protagonista e de muitas mulheres que passam por experiências semelhantes. Isso não tornou o livro menos poético, garanto.
A obra se aproxima bastante do nosso dia a dia, com trechos de músicas e palavras na língua inglesa em mistura com a linguagem regional nordestina. No entanto, o estilo de escrita me lembrou autoras consagradas, como Mercê Redoreda. A própria Kah, em comentário sobre o livro "A Praça do Diamante", no instagram do blog, disse que esse livro a marcou muito na adolescência. A autora consegue, nas coisas mais singelas, ver grande significado, desenhando analogias com sua própria história:
"Houve um dia em que entrei no banheiro nessas circunstâncias, um abandono!, e tinha um grilinho maltratado no chão, provavelmente escorraçado pelos gatos, quase uma dezena deles aqui em casa. Senti inchar uma certa impotência na goela, lamentei pelo grilo, agachei-me e olhei-o de perto, estaria afogado? De vez em quando eu resgato esses bichinhos, são formigas, besouros e outros pequenos, lutando contra a força do chuveiro, exaustos, dou um jeito de tirá- los de lá, lá, seja com uma escova de dentes velha, seja com um pedaço qualquer de papelão, são tantas embalagens!, mas o grilo já não tinha salvação, estava tão mortinho, inerte, não movia uma patinha, as lágrimas cobriram meus olhos e eu não pude movê-lo de lugar, parecia errado e ofensivo, talvez o diabo o jogasse fora, talvez a mamãe o fizesse, terminei o banho e dei uma última espiada no grilo, tão morto, pode a vida de um inseto valer a pena?"
"Houve um dia em que entrei no banheiro nessas circunstâncias, um abandono!, e tinha um grilinho maltratado no chão, provavelmente escorraçado pelos gatos, quase uma dezena deles aqui em casa. Senti inchar uma certa impotência na goela, lamentei pelo grilo, agachei-me e olhei-o de perto, estaria afogado? De vez em quando eu resgato esses bichinhos, são formigas, besouros e outros pequenos, lutando contra a força do chuveiro, exaustos, dou um jeito de tirá- los de lá, lá, seja com uma escova de dentes velha, seja com um pedaço qualquer de papelão, são tantas embalagens!, mas o grilo já não tinha salvação, estava tão mortinho, inerte, não movia uma patinha, as lágrimas cobriram meus olhos e eu não pude movê-lo de lugar, parecia errado e ofensivo, talvez o diabo o jogasse fora, talvez a mamãe o fizesse, terminei o banho e dei uma última espiada no grilo, tão morto, pode a vida de um inseto valer a pena?"
Muitas das passagens de Boca de Cachorro Louco me transportaram para ambientes e situações familiares. Relações abusivas, infelizmente, são comuns hoje em dia: com conhecidos, vizinhos, familiares ou até com nós mesmos. E não é necessário que se chegue ao ponto da agressão física. A própria submissão ao querer do outro, dia após dia, até a quase que total anulação de voz de um dos lados, faz parte disso também. E tentar mascarar tudo isso é algo recorrente. Nesse sentido, o livro de Kahrine pode ser de grande ajuda para os que os que estão sentindo algo errado em seus relacionamentos.
Depois de ler o livro de Kah, assisti a uns vídeos dela no Youtube para entender melhor toda a sua trajetória. Ela narra que vivia em um ambiente de dependência e baixa auto-estima, em um relacionamento abusivo e não amoroso. Conta como se sentiu tempos após conseguir sair daquela situação, lendo seus próprios relatos, em um caminho de amadurecimento. Ficou tentada até a mudar o que escreveu, porque ja não sentia as mesmas coisas...
No entanto, o que seria da arte se os seus autores apagassem esses retratos? Ela é meio fotográfica, capta esses momentos efêmeros que compõem a vida e que provocam identificação quando a apreciamos. É aí que reside sua beleza. Os seus autores não permanecem os mesmos, mudam com o passar dos anos, e a própria arte os ajuda nesse processo, sendo, assim, necessária:
"Ficará para sempre nesta folha esta angústia. Escrita de azul. Preciso afundar meus pés na praia, deixar meus cabelos salgados das ondas, acender um baseado e chorar. Que da primeira à última página, não houve ausência de lágrima. A água do meu corpo é toda salgada: sou mar."
Boca de Cachorro Louco, além de ser um incentivo à libertação de relacionamentos tirânicos, me fez enxergar como, através da literatura ou de qualquer atividade artística, conseguimos nos conhecer melhor e encontrar um caminho mais saudável para nossas vidas, difícil de enxergar de outro modo, por vezes.
Monna Silva.
Para ver a entrevista de Leda Nagle com Martha Medeiros, clique aqui.
Para ver o depoimento pessoal da escritora Kahrine Dantas, clique aqui.
Para comprar o livro Boca de Cachorro Louco, clique aqui.
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